In Memoriam dos Saudosos Profs. Waldemar Saffioti e Heleieth Saffioti
Fontes: Química Nova vol.22 n.4 e cacsufc.wordpress.com
24/07/2016

Química Nova

Print version ISSN 0100-4042
On-line version ISSN 1678-7064

Quím. Nova vol.22 n.4 São Paulo July/Aug. 1999

http://dx.doi.org/10.1590/S0100-40421999000400024 

In Memorian


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No dia 16 de abril de 1999 faleceu, em Araraquara, aos 77 anos, o Professor Waldemar Saffioti. Foi com ele que se iniciou, em 1960, a instalação do Curso de Química e do Departamento de Química da extinta Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara (FFCLA).

É de 21 de dezembro de 1959 a proposta de contratação do Prof. Saffioti encaminhada pelo Prof. Paulo Guimarães da Fonseca (na época professor da Escola Politécnica da USP), primeiro Diretor da FFCLA, ao Prof. Gabriel Sylvestre Teixeira de Carvalho, Reitor da USP e presidente do extinto Conselho Estadual do Ensino Superior do Estado de São Paulo. Em documento de 28/01/1960, o CEES aprovou a contratação do Prof. Saffioti para "reger a cadeira de Físico-Química e Química Superior" da FFCLA. A idéia inicial era criar uma Faculdade de Química em Araraquara com o objetivo específico de implantar no interior do Estado de São Paulo, na época do governo Jânio Quadros, uma Escola de Química para a formação de professores destinados ao Ensino Secundário, em vista do exíguo número desses profissionais existente na época.

O Prof. Saffioti nasceu em Bragança Paulista, SP, no dia 02 de janeiro de 1922. Fez a escola primária e o curso ginasial em Araçatuba, SP. Bacharel em Química pela USP em 1942, estagiou durante 6 meses nas Indústrias R.F. Matarazzo e na F. Endoquímica S.A. Foi assistente técnico do Laboratório da Borracha do Instituto Agronômico do Norte, vinculado ao Ministério da Agricultura, em Belém do Pará, no período abril/44 a dezembro/45. Trabalhou na instalação e nas pesquisas realizadas no laboratório, em colaboração com cientistas norte-americanos. Estagiou, em 1945, no 26o Batalhão de Caçadores de Belém do Pará, tendo sido inclusive promovido ao posto de 2o tenente da Reserva do Exército. Em 1946 fez o curso de "didática" da extinta Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, recebendo o título de Licenciado em Química. Iniciava-se assim a carreira de "professor" de Waldemar Saffioti. De janeiro de 1946 a outubro de 1948 realizou o seu trabalho de doutoramento na USP, sob orientação do Prof. Heinrich Reimboldt. No dia 13 de novembro de 1948 defendeu sua Tese, tendo sido aprovado com distinção. Título da Tese: "Sobre Compostos de Adição de Sulfóxidos e Selenóxidos com Aril-carbinóis". Nessa época era professor de Química do Colégio Estadual de Mogi das Cruzes (julho/46 - março/49). Foi aprovado em primeiro lugar no concurso de provas e títulos realizado pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo para provimento de cargo de professor de Química do Ensino Secundário. Em julho de 1949 foi nomeado professor efetivo da cadeira de Química do Colégio Estadual de Limeira. Em abril desse mesmo ano, o Prof. Saffioti havia sido contratado como professor de Química e de Física do Curso de Oficiais da Força Pública do Estado de São Paulo, função que exerceu até abril de 1956. Em 1950, foi nomeado professor efetivo de Química do Instituto de Educação Caetano de Campos de São Paulo. Nessa época foi convidado pela Companhia Editora Nacional para escrever, em colaboração com o Prof. Geraldo Camargo de Carvalho, três livros de Química para os 3 anos do curso "científico". Iniciava-se, então, o projeto que tornaria o Prof. Saffioti conhecido em todo Estado de São Paulo e mesmo em outros Estados do Brasil. Campeões de vendas em todo país, os livros de Waldemar Saffioti e Geraldo Camargo foram extensivamente adotados por cerca de 20 anos. Foram vendidos mais de 600 mil exemplares.

Durante três anos consecutivos (1953-1955) Saffioti foi convidado pelo Secretário da Educação do Estado de São Paulo para integrar as bancas examinadoras dos concursos de professores de Química para o 2o ciclo do ensino secundário.

Em 1952, foi aprovado em 1o lugar nos vestibulares para o curso de Física da USP. Formou-se em Física em 1955, iniciando aí o seu interesse pela Energia Nuclear.

De abril a julho de 1956 trabalhou como Pesquisador Associado no Laboratório de Radioquímica do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) do Rio de Janeiro. Em agosto de 1956 foi escolhido como bolsista pelo Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) para realizar um estágio de aperfeiçoamento em Energia Nuclear nos Estados Unidos. Estagiou na Pennsylvania State University e no Argonne National Laboratory, inclusive com patrocínio da Comissão de Energia Nuclear dos EUA. Colaborou, também, na instalação do reator nuclear do Instituto de Energia Atômica de São Paulo (de julho de 1957 a maio de 1958). A obra que escreveu posteriormente sobre o assunto, intitulada "Fundamentos de Energia Nuclear" (Editora Vozes), atingiu 4 edições, no período 1978/82.

Em agosto de 1958 foi nomeado Auxiliar de Ensino do Departamento de Mineralogia e Petrografia da FFCL da USP, lecionando Física e Química de Minerais. Nesse período, pronunciou várias palestras sobre ensino de química, energia nuclear, reatores, minerais e borracha brasileira em escolas, centros de pesquisas e universidades.

Em 1962 veio morar em Araraquara. As dificuldades encontradas por Saffioti para a instalação do Curso de Química foram inúmeras: construção e instalação de laboratórios, contratação de pessoal docente qualificado e de pessoal técnico-administrativo, recursos para compra de equipamentos, drogas e reagentes, estabelecimento do currículo escolar do curso, instalação da biblioteca, aquisição de livros, assinatura de revistas, entre outras. Boa parte das aulas do Curso de Química era ministrada pelo professor Saffioti. Ele dava aulas de Química Geral e Físico-Química e, mais tarde, contou com a colaboração dos próprios alunos de 2o e 3o anos para ministrar outras disciplinas. Foi Chefe do Departamento de Química da FFCLA por várias vezes. Jamais hesitou, nos momentos críticos que tiveram lugar durante a consolidação da Unidade, em assumir posturas decididas, expondo-se pessoalmente e de forma veemente em prol da Instituição.

Mesmo com todas as dificuldades, o Prof. Saffioti concluiu sua Tese de Livre-Docência, defendida em 1967. Título da Tese: "Sobre Alguns Complexos Intermoleculares Assimétricos por Ligação Protônica". Orientou 61 pesquisas de Iniciação Científica e 6 Doutoramentos; realizou mais de 100 trabalhos científicos e de divulgação. Escreveu e publicou a obra didática "Fundamentos de Química" (Companhia Editora Nacional, 1968). Contratado inicialmente como Prof. Regente (que corresponde, na carreira atual, ao cargo de Professor Titular) e estabilizado na função por força de dispositivo da Constituição Federal de 1967, mesmo assim fez questão de solicitar formalmente a abertura de concurso para provimento da Cátedra de Físico-Química, logo após a conclusão da Livre-Docência. A denegação do pedido foi, para ele, motivo de decepção e descontentamento.

Em 1970 estagiou no Laboratório de Físico-Química do CNRS de Vitry-Thiais, França, onde trabalhou com complexos hidrogênio — ligados envolvendo trifenilcarbinol e difenilsulfóxido, difenilselenóxido e trifenilarsinóxido. Foram feitos estudos empregando-se as espectroscopias Raman e de Infravermelho.

Fundou e foi o primeiro editor do periódico "Eclética Química", publicado desde 1976. Eleito Diretor do Instituto de Química da Unesp (IQAr), após sua aposentadoria (1978), exerceu o cargo de novembro de 1984 a novembro de 1988.

O Prof. Saffioti, além de dedicar-se às suas atividades na área da Físico-Química, sempre foi um crítico austero da política universitária. Fundou a Associação dos Docentes da Unesp (ADUNESP). Após a sua aposentadoria envolveu-se na política local e nacional. Foi vereador, em Araraquara, na década de 70 e candidato a deputado federal, tendo obtido, em 1982, mais de 50 mil votos. Atuando sempre como defensor dos Direitos Humanos, participou ativamente das campanhas para a anistia de presos políticos. Apoiou os movimentos pelas reformas agrária e tributária e defendeu o programa pró-álcool.

É desnecessário enfatizar que, notadamente pela excelência de sua didática e pela inquestionável retidão de caráter, foi estimado e respeitado, do início ao fim, por toda comunidade do IQAr. Entretanto, no segmento discente, do qual foi intransigente defensor em todos os tempos, colheu, sem dúvida, as maiores alegrias. Adorava receber efusivamente os alunos em sua residência mesmo e, talvez, principalmente após o seu afastamento formal do IQAr. Esse era o local predileto dos mesmos para obter aconselhamento, bem como para promover festas e comemorações. Não é, portanto, sem sólido motivo que a entidade representativa dos alunos do IQAr, o DAWS (Diretório Acadêmico "Waldemar Saffioti") o homenageou prontamente, desde a transformação do então Departamento de Química da FFCL Araraquara em Instituto (1977) e concomitante criação do referido Diretório. Era casado, desde agosto de 1956, com a Profª Heleieth I. Bongiovani Saffioti. O seu único filho faleceu ainda muito jovem.

Para finalizar, como ex-alunos e amigos do Professor Waldemar Saffioti, sentimos genuína e profundamente o seu falecimento. Sua falta certamente abre uma lacuna na Química e na vida política deste país.

Adeus, Professor Saffioti.

 

Antonio Carlos Massabni
Cristo Bladimiros Melios
Douglas Wagner Franco

Homenagem à Profa. Heleieth Saffioti

  

Aos 76 anos faleceu no dia 13/12/2010 a professora Heleieth Saffioti, socióloga e militante feminista. Foi pioneira no Brasil por seus estudos sobre a desigualdade provocada pelo machismo e pela exploração da mulher.

Em seus estudos procurou compreender a articulação entre essa opressão específica constituída socialmente e sua apropriação histórica pelo capitalismo, um sistema que não só é econômico, mas também político ecultural.

 

 

Nota de Tatau Godinho* sobre a professora Heleieth

Heleieth Saffioti é conhecida internacionalmente como uma das mais importantes pesquisadoras feministas do país. Seus estudos sobre a situação das mulheres no mercado de trabalho no Brasil, desde a década de 1960, são pioneiros na análise sobre as desigualdades entre mulheres e homens, as diversas formas de opressão e exploração no trabalho. Professora de Sociologia, aposentada, da UNESP, e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP, nos últimos anos dedicou-se também ao estudo sobre a violência sexista, acompanhando de perto o problema no Brasil, com abordagem teórica sobre a violência de gênero e análise sobre as políticas públicas nessa área. Em sua homenagem, a instituição que desenvolve a política de apoio às mulheres vítimas de violência na cidade de Araraquara, inaugurado pela prefeitura em 2001, foi chamado Centro de Referência da Mulher “Heleieth Saffioti”.

Sempre identificada com posições de esquerda e progressistas, e sem temer a polêmica que as temáticas feministas costumam provocar, Heleith buscou compreender os mecanismos profundos da exploração das mulheres no capitalismo, insistindo com veemência na relação estrutural entre capitalismo, patriarcado e racismo. Sem abrir mão de suas convicções e com sólida formação acadêmica, Heleieth renovava em suas análises as referências teóricas marxistas e a elaboração dos estudos feministas. Como ela sempre dizia, o nó que amarra classe, gênero e raça constrói as dinâmicas de desigualdade na sociedade contemporânea.

Autora de mais de 12 livros sobre a situação das mulheres, estudos sobre gênero e teoria feminista, sua produção é uma contribuição indispensável para a sociologia brasileira. Sem medo de ser considerada uma defensora radical dos direitos das mulheres, a intelectual, pesquisadora e militante feminista, professora Heleieth Iara Bongiovani Saffioti é uma referência obrigatória na história da luta das mulheres no Brasil.

Tatau Godinho, socióloga, militante do movimento de mulheres.


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