Aproveitando a ausência dos patrões, Dircinéia pega o telefone e fofoca com a amiga Craudete:
-Oi Crau, hoje de manhã eu fui à feira. Antes de sair, meu patrão me pediu para eu trazer figo. Aí eu perguntei:
- Figo fruta ou bife de figo? - O home ficou uma fera.
Gente fina, seu Adamastor, num ligo não.
Ele tem sistema nervoso. Também, com um emprego chato daqueles, vou te contar.
Ele é Fiscal da Receita. Deve ser um saco ficar conferindo receita de médico o dia inteiro. Depois chegou o Adamastorzinho, o filho mais novo deles. Acabou de ganhar um carro todo equipado. Tem roda de maionese, farol de pilha, teto ensolarado e trio elétrico. Não sei por que trio elétrico num carro deve ser porque ele gosta de música baiana.
- Cê num sabe da úrtima? Eu discubri que aqui nessa mansão que eu trabaio é tudo fachada!
- Como assim, Dircinéia ?- pergunta a colega, confusa.
- Nada aqui é dos patrão ! Tudo é imprestado! TUDO! Cê cridita numa coisa dessas ? Óia só: a rôpa que o patrão usa é dum tal de Armani... a gravata é dum tal de Perre Cardine... os moveis são do tal Luis quinzi, o carro é de uma tal de mercedes... nadica de nada é deles.
- Nooooossa, que pobreza!
- E além de pobre, eles são muito inzibido, magina que ôtro dia eu escutei o 'patrão no telefone falano que tinha um Picasso.
- E num tem?
- Que nada, fia... é piquinininho de dá dó !'
Luís Fernando Veríssimo