Que saudade da época do `Fio do Bigode`...
O ato era simbólico e simplesmente dizia algo como “minha palavra tem valor…e basta!
04/03/2013

A expressão “No fio do bigode” é antiga e durante muito tempo foi sinônimo de negócios fechados sem documentos, sem contratos. A fórmula era simples: consistia em dar como garantia da palavra empenhada um fio da própria barba, retirado em geral do bigode.  Era época de honens honrados, que tinham preocupação com a boa-fama e com a reputação. O ato era simbólico e simplesmente dizia algo como “minha palavra tem valor…e basta”.




 
HISTÓRIA
Outro dia presenciei uma cena curiosa que me fez pensar em tempos outros. Dois conhecidos meus estavam para celebrar um contrato de aluguel: um como locador, outro como locatário.

Depois das tratativas definindo prazo de locação, valor do aluguel, cláusulas administrativas envolvendo as condições de manutenção do imóvel, rompimento de contrato etc. e tal, o locador sacou do seu bolso um pendrive, esses cartões de memória, e procurou o computador mais próximo para materializar o contrato. No pendrive já havia um modelo de contrato somente para ser preenchido com os dados das partes.
Daí, lembrei dos contratos de aluguel que meu pai firmava com o senhorio das casas nas quais moramos.
Lembro do meu pai passando noites em claro, de tanta preocupação, quando se aproximava a véspera da renovação do contrato de aluguel. Ele nos falava de um carrasco chamado seu Manoel, um português corpulento que vivia de boina na cabeça e sempre vestia camisetas brancas com aqueles brações, mais gordos que musculosos, e os pelos do peito e dos braços sobressaltados à camiseta. Um palito de dente no canto da boca e a barba de três dias por fazer. Era o dono da casa em que morávamos. Na verdade dono de praticamente todas as casas daquele quarteirão do bairro.
Minha mãe dizia que o seu Manoel vivia de rendas. De calcinha de rendas que não seria. Não ia ficar bem naquele homenzarrão. Pelo menos naqueles tempos. Hoje talvez poderia ser a inspiração para o Pitbicha!
Mas a realidade é que ele se casara com uma moça, herdeira de um belo patrimônio (literalmente), cujo pai deixara várias vilas de casas. Pois é, seu Zé! Meu pai que não teve a mesma sorte, tinha que viver de aluguel, pagando mensalmente praquela figura grosseira do seu Manoel.
E sei que não bastasse a renovação do aluguel, que era anual, aquela figura carrasqueira daquele português estava sempre presente na porta de casa. Todo dia cinco de cada mês lá aparecia aquele homem para receber o seu, que saía do nosso, digo, do do meu pai. E nem importava se o dia cinco caía em domingo ou feriado. Aquele homem não tinha reservas no seu calendário.
E podia faltar tudo em casa, menos o dinheiro do nosso algoz, o dinheiro do aluguel. E assim foram anos e anos. Coitado do meu pai. Pelo menos uma noite (quando não duas ou três) por mês, ficava sem dormir!
Mas outro dia, vim a saber pelo meu pai, que não havia contrato algum de aluguel. Não havia aquilo que chamaríamos de papel passado com as devidas assinaturas das partes. Havia sim uma palavra empenhada. Uma palavra de ambos os envolvidos. E seguiam aquilo. Era a tal da questão de honra. O tal do compromisso honrado. E meu pai nem dormia para honrar o seu compromisso.
Eram os tempos dos fios de bigode. Ou melhor, um único fio do bigode. A palavra valia tanto quanto um fio do bigode. Pois homem que era homem, usava bigode. E para usá-lo tinha que honrar essa condição de homem. Tinha que ser muito macho, cumpridor de seus compromissos, custasse o que custasse. Tinha que ter na cara, além da barba, vergonha!
Fico imaginando hoje, como seria. O seu Manoel chegando à porta de nossa casa com o pendrive, imprimindo um recibo numa impressora de bolso, e meu pai pagando a ele com um cartão plástico, esses tais de cartões de crédito. Ou talvez, seu Manoel nem aparecesse mais à nossa porta. Mandaria um boleto bancário via e-mail.
Mas de qualquer forma, acho que na cabeça deles, nenhum desses gadgets substituiria o fio do bigode. Nem mesmo com um Philip Shave novinho sem fio. Ou talvez, nos dias de hoje, já não se fazem mais homens como o seu Manoel e como o meu pai!

“Tão grande é o defeito de confiar em todos, como o de não confiar em ninguém” (Sêneca)

O termo “bigode” tem origem controversa. Provém possivelmente da expressão germânica “bi Gott” (por Deus), utilizada em finalizações de acordos. Vergonha, do latim vericundia. Derivada de veritas (verdade) e vera (verdadeira).

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