Guerra cambial: parte 2 - Aumentam as críticas sobre a política cambial chinesa.
Há décadas, a China faz do baixo valor de sua moeda uma arma eficiente para competir no mercado internacional. Depois da crise mundial, cresce a pressão para que o país abandone esta prática.
Edição do dia 09/11/2010
Aumentam as críticas sobre a política cambial chinesa.
Há décadas, a China faz do baixo valor de sua moeda uma arma eficiente para competir no mercado internacional. Depois da crise mundial, cresce a pressão para que o país abandone esta prática.
Uma invasão planetária, presente nas prateleiras de quase todas as lojas: made in China. Em um bairro de produtos eletrônicos de Tóquio, mesmo quando os comerciantes exibem orgulhosamente a placa: "feito no Japão", muitos consumidores já sabem que não é bem assim.
Um homem diz que no telefone dele está escrito que foi feito no Japão. "Mas eu sei que os componentes vêm todos da China. Por isso, nem ligo mais de onde saiu o produto", afirma.
Essa avalanche de produtos chineses tem origem no final da década de 1970, quando o país começou abrir a economia para o mercado internacional. Mas foi nos anos 1990 que o modelo se consolidou baseado na moeda desvalorizada e na mão de obra barata. Os custos de produção despencaram e a China passou a ser um competidor quase imbatível. Esse tem sido o motor da economia chinesa, que há duas décadas cresce de forma muito forte, em média 10% por ano.
“Eles continuam a colocar o produto deles nos EUA a preços cada vez menores, outros produtos não transacionados na economia americana. É uma política deliberada. Eles fazem isso porque é uma estratégia mercantilista de concorrência. Eles precisam fazer esse tipo de exportação”, diz Paulo Vieira, especialista em mercados emergentes da Tandem Global Partners.
Na China, o câmbio é fixo. Ao contrário das outras grandes economias do planeta, o valor da moeda não varia de acordo com a oferta e a procura. O governo estipula a cotação e só permite valorização mínima. Isso impede que a moeda do país se valorize no mesmo ritmo das outras em relação ao dólar. Resultado: enquanto produtos fabricados no Brasil, Japão ou Alemanha ficam mais caros em dólar, os chineses continuam baratinhos, e vão ganhando mercado.
Uma fábrica de sapatos no interior de São Paulo é um exemplo. Em oito anos, a produção caiu pela metade, e, agora, parou de vender para o exterior. Perdeu compradores justamente para os chineses.
“Nossa briga com a China começou desde 2002, a partir do momento em que eles começaram a derramar no mercado interno calçados femininos com baixo valor, e hoje, inclusive, a gente não exporta mais pra nenhum país”, completa Priscilla Andrade, proprietária da fábrica de sapatos.
Por muito tempo, a fórmula chinesa não foi combatida, já que, para produzir tanto, os chineses também compram muita matéria-prima, inclusive do Brasil, que manda para lá 40% do minério de ferro encontrado no país. O que mudou o jogo? A crise de 2008.
“A partir de 2008, a coisa mudou porque a crise financeira foi de tal ordem que a produção no mundo todo caiu. Então, foram tomadas uma série de medidas para aumentar a produção na América do Norte, na Europa, aqui na América Latina. Todos os países querem aumentar sua produção e a China não está deixando”, afirma Simão Davi Silber, professor de economia da FEA-USP.
O mundo que aprovou o crescimento chinês agora pede para que o país deixe a moeda valorizar, pare de poupar e consuma mais para ajudar a deixar a crise mundial para trás.
“O motor da economia chinesa é o mercado externo, é a exportação. Agora, para voltar para o mercado interno, tem que combinar com os chineses. O chinês tem que gastar mais e o chinês é poupador, e, da noite para o dia, ele não vai gastar mais”, diz Silber.
A guerra cambial entre Estados Unidos e China provocou conflitos menores. Na Ásia, é Japão versus Coreia do Sul. Os dois países fazem os mesmos tipos de produtos. Aparelhos de TV, por exemplo. A disputa estava no campo tecnológico. Cada um tentava fazer a tela mais fina, a melhor imagem. Agora, foi para o terreno cambial. Isso ameaça tornar a reunião do G-20, que começa nesta quinta-feira, um cada um por si e todos contra todos.
Muitos países asiáticos estão tomando medidas para desvalorizar suas moedas. A Coreia do Sul diminuiu a quantidade de dólares que cada banco pode ter. O Japão interveio no câmbio pela primeira vez em seis anos.
A Tailândia fez o mesmo que o Brasil e criou um imposto sobre aplicações estrangeiras. A Indonésia lançou uma quarentena para dinheiro vindo de fora. Taiwan simplesmente proibiu investimentos que classificou como especulativos.
Quando os 20 países mais ricos do mundo sentarem à mesa na Coreia do Sul esta semana, a pressão sobre os Estados Unidos será contra o excesso de dólares que o país despejou sobre a economia mundial, um remédio de emergência contra a crise. Mas, contra a China, a pressão será sobre uma política cambial que já dura décadas e que respondeu pelo crescimento espetacular do país.