Guerra cambial: parte 3 - Valorização do real torna produtos brasileiros menos competitivos no exterior.
De 2009 até hoje, o real se valorizou 37% frente ao dólar. A alta da moeda prejudica a economia do país. Para reagir a chamada guerra cambial, o governo brasileiro comprou dólares e aumentou os impostos sobre investimentos estrangeiros em renda fixa.
Edição do dia 10/11/2010

Valorização do real torna produtos brasileiros menos competitivos no exterior.

De 2009 até hoje, o real se valorizou 37% frente ao dólar. A alta da moeda prejudica a economia do país. Para reagir a chamada guerra cambial, o governo brasileiro comprou dólares e aumentou os impostos sobre investimentos estrangeiros em renda fixa.

A chuva de dólares é nos Estados Unidos, que vem imprimindo muito dinheiro para estimular a combalida economia americana. Mas ela respinga no mundo inteiro, inclusive no Brasil.

Isso porque quem tem dinheiro nas mãos investe onde o dinheiro rende mais. E como no mundo inteiro, os juros estão baixos e o retorno, pequeno, boa parte destes dólares está vindo para o país. Mais dólares na nossa economia, mais alto o valor do real.

Do início de 2009 até hoje, o real se valorizou 37% frente ao dólar. Real forte é bom para quem vai viajar para o exterior ou comprar eletrônicos e produtos importados, que ficam mais baratos em reais.

Já para quem tem dólares no bolso e contas para pagar em moeda brasileira, é um mau negócio. Basta perguntar a um estrangeiro que visita o Rio de Janeiro. O país está mais caro do que o turista americano imaginava.

No início de 2009, um pacote de passeios, incluindo ir ao Pão de Açúcar de bondinho, de trenzinho ao Corcovado, entrar no Jardim Botânico e passear de jipe pelo Rio custava R$ 156 reais, ou US$ 67 pela cotação da época.

De lá para cá, o preço aumentou um pouco em reais. Agora são R$ 170. Mas aumentou bem mais em dólares: a programação completa sairia por, pelo menos, US$ 100. Para gastar o mesmo, só cortando um dos passeios.

Ter uma moeda muito valorizada pode trazer benefícios para o consumidor, mas prejudica a economia do país. A mudança no câmbio tem reflexos na balança comercial, o que o Brasil compra e vende lá fora. E isso pode ser visto no movimento dos portos do país. Com o real forte, o produto brasileiro fica mais caro e a tendência é ter menos carregamentos deixando o país rumo ao exterior. Na contramão, o dólar baixo estimula a entrada de todo tipo de importado por aqui. E o que vem dentro desses contêineres pode ser uma carga de problemas para a economia brasileira.

“Significa o seguinte: produto brasileiro fica mais caro para vender lá fora, produto importado ficou muito barato. Isso é muito ruim, principalmente para a indústria. Prejudica o balanço de pagamento, piora o déficit externo brasileiro, que esse ano vai ser de uns 50 bilhões, e, portanto, cria um problema para nós nos próximos anos”, afirma Simão Davi Silber, professor de economia da FEA-USP.

Nosso saldo comercial ainda é positivo, mas com o aumento das importações, está diminuindo. A queda foi de 39,7% neste ano em comparação ao mesmo período de 2009. Boa parte das importações vêm de um gigante, a China, que mantém com mão de ferro o câmbio desvalorizado. É a forma chinesa de ganhar competitividade no mercado internacional.

Já a receita americana foi jogar dinheiro na economia para tentar estimular o consumo e baratear as exportações. No meio desta disputa, o governo brasileiro tenta reagir na chamada guerra cambial. Aumentou o imposto sobre investimentos estrangeiros em renda fixa, de 2% para 6%, e comprou dólares para diminuir a circulação de moeda americana por aqui.

Desde o começo do ano, o Banco Central já comprou mais de US$ 38 bilhões. “O custo de manter isso é extremamente elevado. É um custo entre US$ 20 e US$ 30 bilhões por ano. É como se você tivesse segurado um carro que custa R$ 20 mil e tivesse um seguro de R$ 100 mil. Já passou muito do que é razoável”, diz Garcia.

Mas, à exceção da China, todas as moedas estão se valorizando em 2010 frente ao dólar. Algumas até mais do que a brasileira, como a japonesa, a australiana ou a colombiana. Por que, então, o Brasil sofre tanto com o câmbio? Segundo os economistas, a explicação está no que o Brasil tem de diferente destes países.

Se todo mundo está com a moeda valorizada, só o Brasil tem taxa de juros na lua, de 5,3%, a maior do mundo. E tem também a maior carga tributária entre os emergentes.

“O desespero recente tem a ver a talvez muito mais com a nossa incapacidade nos últimos anos de fazer reformas que efetivamente melhorassem as condições de produção no Brasil do que propriamente pelo câmbio”, afirma Gustavo Franco, diretor da Rio Bravo Investimentos.

Apesar disso, o Brasil desembarcou em Seul para o G-20 com as baterias voltadas para a moeda americana. Hoje, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, defendeu a criação de um sistema de reservas mundiais com mix de moedas para reduzir a dependência do dólar.

“Se os Estados Unidos não têm mais vocação para serem a moeda de reserva internacional, talvez tenha que haver um recuo do dólar e um avanço de outras moedas. Aí os americanos poderão fazer o que bem entenderem porque afetarão menos o mundo”, afirma o ministro.

Os 85% da economia mundial estão sentados à mesa para negociar até o fim da semana no G-20. Cada lado reclamando das armas dos outros no que chamam de guerra cambial. Mas será que dá para sair solução desse cardápio?

“O que nós temos são os americanos tentando resolver o problema deles de acordar a economia americana, que é bom para nós, e tomara que consigam, e os chineses, que têm que resolver o problema de democracia deles para poder o salário dos chineses subirem, e, quando subir, vai subir também a cotação da moeda chinesa. Isso não tem nada de guerra, é uma descoordenação macroeconômica global que é para ser resolvida por economistas, de uma forma técnica, sem nenhuma linguagem de hostilidade”, completa Franco.
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